Para quê viajar?

Mas porque é que alguém abandona o conforto e a segurança da sua casa para se sujeitar a este mundo selvagem e desconhecido?
De tempos a tempos deparo-me com esta pergunta. Se bem que esteja convencido da necessidade de o fazer (principalmente, de eu o fazer) não é fácil de explicar porquê. Acabo por dar sempre uma resposta diferente. Partilho aqui algumas delas.
Viagem não é férias: Quando se pensa em viagens, associa-se normalmente a férias, e a maior parte das pessoas tira férias para relaxar. Relaxar é muito bom mas há muito mais razões. Relaxar é tentar atingir um estado de espírito, viajar é viver “na estrada”.
Viajar é fácil e barato: Viajar pelo mundo é bem mais barato e mais fácil do que muita gente pensa. O maior obstáculo para um viajante inexperiente é mesmo ultrapassar os seus receios e preconceitos.
Para grande parte dos destinos é possível partir apenas com um pouco de dinheiro (um cartão de crédito serve), um passaporte e um bilhete de avião, sem malas, sem roupas, sem nada marcado. Tudo isso é provavelmente mais barato comprado no destino e a maior parte dos "gadgets" de viagem são totalmente desnecessários. O maior arrependimento de quem volta da sua primeira viagem a sério é normalmente a quantidade de coisas inúteis que levou.
Nunca na história do nosso planeta foi tão fácil e tão seguro viajar, milhões e milhões de pessoas fazem-no todos os anos. Fazem-no pessoas com deficiencias físicas, com mais de 80 anos, com crianças menores ou sem falar qualquer idioma senão o do país de origem. Exemplos destes fazem-me crer que são pessoas que procuram o melhor da vida, que procuram viver para além das dificuldades.
Viajar é mudar: Viajar é um escape, algumas pessoas viajam não para irem para algum lugar mas mais para irem embora de onde estão. Em parte, também foi essa a minha motivação inicial.
Viajar é liberdade, a noção de controlo sobre o próprio destino, ninguém a quem dar explicações. Para mim, a viagem é um catalisador do destino. Obriga a que aconteçam coisas. Por exemplo, encontrar pessoas que de outra forma nunca teriam cruzado a minha vida.
Mas deploro a cegueira e a pressa dos turistas modernos, sobretudo os que se gabam correr todo um continente em duas semanas, ou uma cidade num dia. Não viajo como quem segue uma lista de compras. Atrai-me a ideia de ver coisas novas mas acabo por me sentir realizado por ver as coisas antigas com outros olhos. Interessa-me a possibilidade de viajar devagar e pausadamente, passar vários dias na mesma cidade, algumas semanas na mesma região, alguns meses nos mesmos países. Interessa-me viajar a uma velocidade contemplativa, perscrutar em câmara lenta a vida e a paisagem, divagar no itinerário e na paisagem.
Depois de algum tempo aprende-se que o importante não é o destino, é a viagem.
Viajar faz-me sentir bem: Mesmo quando ando a viajar dois meses com a mochila às costas, em condições reduzidas de conforto não me queixo. Os autocarros massacrantes, as estradas precárias, as pensões humildes, os ferries desengonçados, as comidas pesadas e de higiene duvidosa são exactamente os mesmos bens e serviços usados pela população local. Escolho como elas, em pé de igualdade. E a igualdade aproxima. O desconforto é grande, mas o contacto humano é enorme. E é esse contacto com as pessoas da terra que me faz sair de casa e vaguear pela Terra. Por isso, não me queixo.
Mas, de facto, eu não estou a recusar os benefícios do cartão de crédito: apenas tento usá-los de uma forma que não deixa vestígios materiais. Não sou aquilo que possuo mas sim aquilo que vivo.
Penso viver a vida com qualidade, mas "qualidade de vida" não é o todo-terreno para o engarrafamento matinal cinco dias por semana ou o carro que pode atingir o dobro da velocidade máxima permitida por lei; não é o T2 de luxo com uma hipoteca que nos põe a corda ao pescoço para os próximos 30 anos, entrincheirado no horror paisagístico que caracteriza a periferia da Grande Lisboa; não é trabalhar sob as ordens de um chefe prepotente, perfeccionista, inseguro ou apenas incompetente; não é a música que bate na cabeça no sábado à noite, a amena cavaqueira com o copinho de uísque na mão, o livro que não se lê, a decisão que não se toma. Isso não é viver.
Qualidade de vida é ter um sonho e viver por ele, mesmo enfrentando os fantasmas de insolvência económica e ostracismo social.
A minha conclusão é que viajar é viver, ou seja, viajo para que me sinta vivo.