A ideia de solidão mete medo a muita gente, mas na realidade quase nunca nos sentimos sozinhos a viajar sem companhia. A solidão é muito mais comum no dia-a-dia, sob a forma de indiferença e da banalidade nas relações profissionais e familiares; do que em viagem, onde cada relacionamento, até a simples troca de saudações pela compra de um cacho de bananas na mercearia da esquina, se reveste da intensidade dos actos estudados e irrepetíveis. Parece um paradoxo, mas é pelo próprio facto de não estarmos acompanhados que estamos disponíveis para outras companhias.
A definição da palavra "solidão" também varia dependendo de com quem se fala. Não me seria difícil ter 300 amigos virtuais no Facebook, mas não os troco nem por um dos de "carne e osso. Eu sei que estou fora da "normalidade".
Em viagem estamos constantemente a conhecer pessoas: por vezes, os habitantes dos lugares que visitamos; mas, com mais frequência, outros viajantes que, como nós, visitam esses lugares. Os interesses e as preocupações são comuns, a solidariedade nasce espontaneamente. Uma característica óbvia das amizades em trânsito é a curta duração. Uns dias juntos, e depois as estradas bifurcam-se de novo.
Pergunto-me se alguma vez me teria sentido tão ligado a alguma destas pessoas se fossem os meus vizinhos de casa ou o familiares de um qualquer amigo meu.
Não sei se nos voltaremos a encontrar algum dia, mas tudo é possível neste mundo de acasos.
É evidente que, se vivi estas situações, e muitas outras semelhantes, foi por andar sozinho; viajando com um ou mais companheiros, certos convites não me teriam sido formulados, certas amizades não se teriam desenvolvido. Por isso sou apologista do individualismo itinerante. Quem viaja em grupo, fecha-se no grupo. Quem viaja só, abre-se ao mundo.
Algumas destas frases são de outros autores (neste caso o mais citado é Gonçalo Cadilhe) porque explicam na perfeição o que sinto e o que penso. Um pequeno conforto para mim, que nunca terei um livro com capa na mão, com a inscrição "best-seller" num autocolante florescente.
Mas tudo isto é mutável, e viajar é isso mesmo: é uma coisa nova a cada novo dia, nenhuma viagem é igual à anterior. Na altura que publico esta página escrevo-a na antecipação de uma viagem à Austrália com três amigos. A expectativa é enorme.